quinta-feira, 3 de maio de 2012

PARDALOCA MARIA DA LUZ E DO SOL


OBSERVANDO... E DISCORDANDO...

Empoleirada na macieira a pardaloca observava o melro e dizia de si para si:
- Lá porque é preto e lustroso,lá porque tem um bico amarelo que até se vê ao longe, este melro pensa que é dono e senhor da cerejeira, das cerejas e das lagartas! É preciso muito descaramento! Mas ele que não pense que ficarei eternamente a vê-lo depenicar e a ter medo de me aproximar da cerejeira! É verdade que ele é maior do que eu, talvez até mais possante, mas todos temos direito a debicar uma ou outra cereja, uma ou outra lagarta.
E pensando assim esvoaçou até à cerejeira, logo ao lado da macieira. Mal tinha posto as patas num galho já o melro, com aquele ar de "dono e senhor" estava quase colado a ela, dizendo em alto trinar, mais parecendo um tenor numa ópera dramática do que propriamente um melro:
- Que fazes aqui, ave insignificante?
E ao dizer isto, além da arrogância da sua voz bem cantada, ainda se emplumou todo, como que a mostrar que também tinha dotes de beleza e de força. Mas, desta vez, a pardaloca não se intimidou.
- Antes de mais, seu melro arrogante, eu não sou uma ave insignificante, sou uma pardaloca e tenho muito orgulho em ser quem sou. Além disso chamo-me Maria da Luz e do Sol, Luz por parte da mãe e Sol por parte do pai. E tu, por acaso também tens nome?
Antes de responder, o melro sacudiu as asas e soltou uns leves trinados como que a clarear a voz e falou:
- Claro que também tenho nome, chamo-me Narciso dos Ramos Cerejeira, Ramos por parte da mãe, Cerejeira por parte do pai. Como vês esta cerejeira é pertença da família, nestes ramos mando eu e só reparto refeições com quem muito bem quiser. E digo isto porque bem te vi a cobiçar estas lindas cerejas, ou julgavas tu que eu não estava de olho em ti?
- Tens razão, eu estava mesmo a olhar para as cerejas e a pensar que esta cerejeira tem alimento para muitas famílias, que não devias ser tão avarento, mesmo que a árvore e as cerejas sejam pertença da tua família. E, claro está, também pensava que talvez eu pudesse debicar pelo menos uma cerejita e, queiras ou não, é o que vou fazer.
E dizendo isto, já Maria mudara de ramo e debicava uma cereja, retirando de dentro dela uma rechonchuda lagarta que lhe soube pela vida. Se rosto de melro pudesse corar de raiva e de indignação, de certeza que o do Narciso estaria mais vermelho que a cereja mais madura.
- Sua desavergonhada, sua descarada, como te atreves a uma afronta destas?!
E, num ápice saltou do seu galho para o ramo onde se encontrava Maria, mas já esta tinha desaparecido por entre a ramagem da macieira do lado. Parado num ramo da cerejeira, Narciso pensava que ainda havia de ajustar contas com aquela pardaloca atrevida, quando ela, num pio doce e suave, lhe disse:
- Para que não fiques a pensar que te causei prejuízo ao comer uma lagarta e um na...
Ia continuar, mas foi interrompida abruptamente:
- Não me irrites, nem sequer te atrevas a pronunciar o meu nome com esse piar "de tocar corações".
- Calma, vizinho melro! Não ia sequer falar no teu nome, o que quis e quero dizer é que, se te causei prejuízo ao comer a lagarta e um na... um naquinho de cereja, ponho à tua disposição as maçãs e as lagartas desta macieira. Como vês não quero que fiques zangado comigo, quero sim, que possamos ser amigos e que, como bons amigos, possamos repartir o que a Natureza nos coloca à disposição.
- Bem, desculpa, acho que tens razão, embora sempre nos ensinaram que "cada ave no seu galho", ou seja que melros só se dariam com melros, como pardais só com pardais, pintarroxos com pintarroxos, e por aí fora...
- Pois, da mesma maneira que a nós, pardais, nos ensinaram. Mas se apenas comunicarmos com os elementos da nossa espécie, como poderemos conhecer o mundo além do nosso, além de nós? Achas que fomos criados para simplesmente nos cingirmos ao que todos os outros dizem e fazem? Não achas que deveríamos lançar-nos em novas aventuras que nos possam mostrar outras realidades?
Narciso ficou um bom pedaço em silêncio, com a cabeça debaixo das asas, pensativo... Se, por um lado concordava com a pardaloca Maria, por outro sentia que seria uma afronta para com a sua espécie se, porventura, se deixasse levar por essas ideias fantasiosas.
- Sabes Maria, eu admiro a tua maneira de pensar, sei que talvez até tenhas razão, mas também é verdade que, pelo menos eu, não irei contra as regras da comunidade dos melros, isso seria uma afronta para todos e sei o quanto a minha família sofreria, seria acusado de desonesto, de desobediente, sei lá de que mais. Poderemos ser amigos, até porque vivemos em árvores vizinhas, tu podes pousar aqui, num destes ramos eu ali, na macieira, mas jamais poderei voar contigo na descoberta de novas aventuras.
- Está bem... Agora vou para casa. Fica bem.
E dito isto, Maria esvoaçou para a macieira, saltitou um ou dois galhos e entrou em casa, pensativa.
No meio dos seus pensamentos algo desordenados começou a sentir-se cansada, tão cansada que pensou dormir antes que os pais regressassem do treino de voo com o resto do bando.

UMA VISITA INESPERADA



Mal fechara os olhos para relaxar ouviu um leve chilreio junto da janela. Lentamente levantou-se e foi ver quem seria o pássaro que tão suave e melodicamente trinava na sua janela. Era um lindo pássaro azul que logo, logo partiu. Mas Maria não era uma pardaloca qualquer, era a pardaloca Maria, aquela que registava tudo o que de bom a vida lhe oferecia. E, certa tarde, depois de um bom descanso, pegou na pena e escreveu.



Não sei bem como se chamava aquele pássaro azul que poisou ao lado do meu ninho, chlireou à minha janela, piscou um dos seus lindos olhos verdes, pavoneou umas penugens douradas sobre a cabeça, abanou a asa, como a dizer-me adeus e... partiu.
Mas era tão lindo, tinha um trinar tão melodioso que me cativou por inteiro. Como disse era azul, a sua fisionomia nada tinha de comum com um pardal, mas o certo é que nunca mais o pude esquecer. Ele permanece ancorado no meu coração. No meu coração e não só. Ele torna-se presente todas as noites nos meus sonhos. Tanto está a olhar-me através da janela, como estamos sentados nos galhos que servem de alicerce ao ninho, como voamos de asas dadas pelo azul do céu.
Sou uma pardaloca, sou castanha e não azul, adoro os meus amigos pardais, mas apaixonei-me perdidamente por esse pássaro azul do qual não sei sequer o nome. E o intrigante é que, quando estamos juntos nos sonhos, nunca nos lembramos de perguntar os nomes, talvez isso nem seja importante. O que importa é a sensação de liberdade que não nos prende apenas aos pássaros dos nossos bandos, nem das nossas espécies. Somos seres alados, somos criaturas do mundo, podemos voar, sonhar, partilhar amizade, sentimentos de paz e harmonia.
Não me vou sequer importar se o Guardião do meu bando me vai censurar, se um dia vier a saber desta paixão que me dá alento e felicidade. Sei que não devo ficar confinada a este espaço, mas que posso voar bem mais longe. Também sei que o farei, porque penso que acabo de descobrir quem é realmente o pássaro azul que preenche os meus mais puros sentimentos. Descobri que ele é a minha alma, é o SER PURO que habita o meu santuário. Pois é, Ele sou Eu, apenas vestida de luminosidade, luminosidade essa que me faz ver-me com outras cores além do castanho de pardaloca. Sou eu em comunhão com o meu ANJO INTERNO que me orienta através dos meus sonhos.




Vários dias se passaram desde que relatou a incomum vivência com a pássaro azul. E nesses dias não teve vontade de escrever. Estava tão embrenhada no turbilhão de pensamentos que nasceram e cresceram desde o primeiro momento em que descobriu que ser pardaloca não é apenas viver dentro de um fato de penas e muito menos ainda ser uma "pardaloca vai com as outras". Ela, assim como cada pardal, melro, estorninho, tentilhão, pintarroxo... tem o direito de seguir o seu próprio caminho, voar até onde poder voar, não por ser ou para ser melhor do que as outras aves, mas para descobrir por si mesma como seria se pudesse dar vida aos seus sonhos.
- A vida não pode ser limitada... O pássaro azul sussurra-me que nasci para voar além fronteiras. Às vezes não sei bem se a voz que me diz para partir à descoberta é a do pássaro azul, ou se estarei apenas a dar crédito à minha vontade, aos meus desejos.- Disse Maria em pio alto, como se falasse para alguém,tentando descobrir de onde lhe vinham aquelas ideias.

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EM FAMÍLIA


-Maria, minha filha, que tens? Estás com um ar tão estranho, pareces cansada ou doente, o que é , minha filha? Olha que estou a ficar em cuidados... Não queres sair, pouco comes, já nem te oiço piar...

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