sexta-feira, 31 de agosto de 2012

RECORDAR É VIVER

Embora, nessa altura eu não tivesse mais do que 4 ou 5 anos, recordo esta cena com muita clareza.
Era tempo de vindimas e eu estava em casa da minha avó materna. No quinteiro, junto à nora de tirar a água do poço estava uma pipa cheia de água para ser lavada, pois era altura das vindimas. (Não sei se "quinteiro" terá o mesmo significado em todo o lado, mas aqui o quinteiro é um espaço em frente da casa coberto de mato de onde depois se tira estrume para os campos). Como disse estava lá a pipa, com o orifício tapado com uma pequena rolha de madeira, a que chamavam "piche" ou "espiche".
A avó tinha acabado de levantar a mesa do almoço e eu saí para quinteiro brincar. Mas aquela pipa, cheiinha de água e num dia de calor como estava, parecia dizer-me:
"Tira o espiche, Lete, olha que a água é fresquinha, podes molhar as mãos, molhar a cara, podes brincar."
E eu ouvi a "voz da pipa", oh!, se ouvi! E vai daí, tira espiche, mete espiche, borrifa a cara, borrifa a mão, era só ver a minha alegria a tapar e a destapar a pipa!
Mas... e há sempre um "mas", a avó veio à porta, viu e ralhou:
"Pára com isso, Lete, deixa estar o espiche na pipa, senão apanhas uma sapatada."
Mal ouvi o recado, pus o espiche na pipa e fui para o jardim, mas sempre a controlar a avó, claro está.
Mal ela reentrou na cozinha, lá vai outra vez a Lete brincar com o espiche, só que desta vez a avó não ficou pela ameaça, a avó saiu da cozinha de mão em riste e a Lete levou uma palmada no traseiro.
Mais ferida na sensibilidade do que propriamente na carne fui sentar-me nas escadas a choramingar.
Ao ouvir o "meu triste lamento" a avó veio à porta da cozinha e perguntou:
"O que foi, Lete? O que tens?"
E a Lete logo respondeu, dona e senhora de toda a razão:
"A avozinha bem sabe que nas meninas pequeninas nunca se bate!"

De Maria La-Salete Sá

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